Vivemos um período extremamente conturbado: pandemia, isolamento social, crises política, social, econômica – instabilidade em várias vertentes. Como não parar de pensar sobre o que vamos fazer daqui para frente? O que fizemos lá atrás que nos arrependemos? O que ou quem sentimos falta? Quais riscos corremos diariamente? O que podemos fazer diferente (no futuro)?
O interessante é constatar que usualmente nossos pensamentos concentram-se no passado ou no futuro. Parece que estamos constantemente em standby, em estado de vigília, esperando por algo ou pensando sobre o que poderia ter sido diferente. Proporei um desafio: Disponha-se a escrever sobre o que pensa por um período do dia apenas, sem grandes preocupações com forma ou avaliações, apenas remeta-se a temas de pensamentos. Eu ouso dizer que você perceberá que pouco estará concentrado no agora, no exato momento em que está vivendo.
Com todos os dramas do coronavírus sendo bombardeados aos nossos olhos e ouvidos diariamente, obviamente nos questionamos: e se eu contrair o vírus? E se eu morrer? Terei eu vivido uma vida que valeu a pena? Estamos aptos a responder a essas perguntas? A grande questão é exercitar a premissa de que pensamentos vêm e vão, ficam vívidos dentro das nossas cabeças e se multiplicam. E as nossas ações? Também vêm e vão, porém, fazem com que interajamos diretamente com os nossos ambientes, sentindo o vento, o sol, o frio, conversando com alguém, ouvindo uma música, fazendo algo efetivamente, trocando experiências com o mundo e não simplesmente escutando um discurso monológico.
De fato, tudo o que passamos é transitório. Mas a vida se concentra exatamente aí: na transitoriedade. Um dia temos 20 anos, quando nos damos conta já estamos com 40. O dia de hoje já se foi, já não o viveremos novamente, muito embora tenhamos aquela sensação de que os dias sejam todos iguais. Não. Não são. Muitos eventos ocorrem no interstício de uma hora, mas geralmente não prestamos atenção. Onde está nossa atenção? Sei que é difícil exercitar a plena atenção em um mundo repleto de estímulos poderosos: telas de celulares praticamente funcionado como anexos de nós próprios, mensagens, sons, redes sociais. Os estímulos não param. Mas, por que então não buscamos agir mais que pensar? Se pensar demais nos aprisiona, por que então não passamos a nos desafiar a sermos mais “fazedores” que “pensadores”.
Sim, eu sei que não é tão simples assim. Não modificamos padrões tão cristalizados de pensamentos facilmente. Mas, podemos começar a nos desafiar um pouco de cada vez. Afinal, toda construção começa com um tijolo. Ao constatar muito sofrimento por determinados pensamentos repetitivos, que tal nos remetermos à questão: o que eu posso fazer agora? Muitas vezes, podemos até não ter respostas imediatas, mas sair um pouco de casa, caminhar, tomar um sol, ler um livro trazem um alívio enorme, além de fazer com que consigamos entrar em contato com outras alternativas. Defendo que só deixamos de ser reféns dos nossos pensamentos se passarmos a investir mais no fazer, dando maior espaço às atitudes em detrimento do dizer apenas sobre o que será feito lá na frente (ex. quando me aposentar, quando a pandemia acabar, quando emagrecer, etc). Veja bem, futuro é necessariamente baseado no presente. Se há investimento hoje, há ganhos agregados posteriormente.
Passei anos da minha vida estudando o tema “correspondência entre dizer e fazer”, algo essencial na prática psicoterapêutica. E minha linha de atuação em consultório é justamente buscar coerência entre esses dois comportamentos. No entanto, o verbal (dizer) é prontamente disponível. O não-verbal (fazer) envolve maior custo. Geralmente, o foco é muito maior no dizer que no fazer, porém para alcançarmos a coerência, precisamos equilibrar os parâmetros.
Finalizo, então, complementando o desafio que tracei anteriormente: que tal escrever também sobre as ações executadas em um período do dia? Estou certa que será interessantíssimo contrastar a lista do fazer com a lista dos pensamentos.